Entrevista de José Salgado Borges sobre segmento anterior (OftalPro)

Em 2013, a OftalPro fez uma entrevista comigo, quando desempenhava então o cargo de director do Serviço de Oftalmologia do Hospital de S. Sebastião, sediado em Santa Maria da Feira. Recordo agora esta entrevista que incidiu sobre o segmento anterior, uma área da oftalmologia que me fascina desde o início da minha carreira. Pode ler a versão integral aqui neste link.

OftalPro (OF): O segmento anterior é a área da oftalmologia em que intervém com maior dinamismo. Porquê?

José Salgado Borges (JSB): Desde o meu estágio nos EUA, fascina-me tudo o que diz respeito à tecnologia para o diagnóstico e às patologias médica e cirúrgica do segmento anterior, tais como a cirurgia da catarata e da córnea. Esta área cirúrgica é muito estimulante, pois possibilita que um doente com uma acuidade visual muito diminuída recupere a visão em apenas 24-48 horas. Por outro lado, dispomos actualmente de uma grande variedade de opções que permitem corrigir, do ponto de vista cirúrgico, a grande maioria dos erros refractivos existentes em qualquer idade a partir dos 18-20 anos.

OF: E qual considera ser a subespecialidade da oftalmologia mais desenvolvida?

JSB: Nos últimos 20 anos, a cirurgia refractiva e a cirurgia da catarata têm sido alvo de uma autêntica revolução. Com a introdução constante de novos métodos cirúrgicos e de lentes intra-oculares cada vez mais sofisticadas, a cirurgia implanto-refractiva constitui, para mim, a área de maior desenvolvimento. Não podemos, contudo, esquecer os avanços que têm ocorrido ao nível do tratamento médico e cirúrgico das doenças da retina, nomeadamente da DMI e da Retinopatia Diabética.

OF: Está ligado à Clinsborges desde a sua fundação. Com que intuito surgiu esta clínica?

JSB: A Clinsborges é um centro oftalmológico, localizado em plena baixa da cidade do Porto, especializado no diagnóstico e tratamento de uma variedade de doenças oculares. A clínica foi criada por mim em 1992 e, desde então, temos vindo a incorporar progressivamente novos elementos e a adquirir equipamento que permita efectuar uma abordagem correcta e actualizada do doente com patologia do foro oftalmológico.

Possuímos modernas e acolhedoras instalações e, desde há mais de 10 anos, damos especial relevância às novas tecnologias, tais como o processo clínico informatizado e a integração em rede dos diversos equipamentos de diagnóstico.

Na nossa clínica não só atendemos os doentes privados, como também colaboramos e temos acordos com os principais sistemas e grupos de seguradoras da área da saúde. Por razões logísticas e organizacionais, não possuímos bloco operatório nas nossas instalações e efectuamos as intervenções cirúrgicas electivamente em hospitais privados com os quais temos parceria ou na Clínica Oftalmológica das Antas (cirurgia refractiva).

Dedicamo-nos preferencialmente à cirurgia da catarata e à cirurgia refractiva laser. O Ceratocone, o Olho Seco, o Glaucoma e a Diabetes Ocular são igualmente áreas importantes diagnosticadas e tratadas na nossa clínica. Queremos expandir e dinamizar outras áreas, como a Oftalmologia Pediátrica e a Vítreo-Retina.

OF: É oftalmologista no sector público e dedica-se também ao privado. Que diferenças encontra entre as duas realidades?

JSB: Não deveriam existir diferenças na acessibilidade e no tratamento dos doentes entre os dois sectores. Porém, há actualmente duas diferenças incontornáveis: uma será a rapidez da resposta e outra a possibilidade de escolha, quer do oftalmologista, quer do local de referenciação por parte do doente. No que me diz respeito, actuo nos dois sectores duma forma perfeitamente estanque.

Todas as manhãs e uma tarde trabalho no Hospital S. Sebastião; nas restantes tardes trabalho no sector privado. Por outro lado, embora sendo permitido, não exerço por opção própria medicina privada no hospital. Se, por um lado, a medicina privada poderá ser altamente compensadora do ponto de vista monetário, organizacional e de diferenciação, o sector público continua a ser importante no que diz respeito ao contacto com novas tecnologias e à formação continuada.

OF: O que fazem concretamente nesse sentido?

JSB: A equipa médica no Hospital de S. Sebastião demonstra um interesse relevante na actualização científica, através da realização de reuniões clínicas regulares, ensaios clínicos, publicações (sete por ano) e apresentações em reuniões científicas de âmbito nacional e internacional (mais de 60 por ano).

Ao longo da última década promovemos vários rastreios regionais e colaborámos em rastreios de âmbito nacional, em parceria com a Sociedade Portuguesa de Oftalmologia (SPO). De salientar o rastreio de Ambliopia realizado às crianças do concelho, um projecto em parceria com a Câmara Municipal de Santa Maria da Feira e do LIONS Club, a decorrer desde 2001, em que já foram rastreadas mais de 20 mil crianças e que foi premiado pela SPO e pelo LIONS Club Internacional.

Celebramos protocolos com as Clínicas Renato Ambrósio do Rio de Janeiro e Paulo Ferrara de Belo Horizonte, nas áreas médica e cirúrgica da Córnea. Possuímos parcerias com a Universidade de Vanderbilt (EUA), no âmbito do Rastreio da Ambliopia, e com a Universidade de Santos, em relação à formação pós-graduada. Colaboramos ainda com a Universidade de Valência em projectos de investigação nas áreas do Glaucoma e da Retina.

OF: de que modo descreve a considerável evolução da oftalmologia?

JSB: Durante os últimos 30 anos, as mudanças foram inimagináveis, tanto em Oftalmologia como na Medicina em geral. Nos anos 80 procedíamos à realização de apresentações com retroprojectores ou diapositivos preparados manualmente por nós, à pesquisa bibliográfica apenas nas bibliotecas, e ao envio de toda a correspondência por correio tradicional.

No que diz respeito à Oftalmologia, lembro-me com saudade das cirurgias intra-capsulares de catarata, com ou sem colocação de LIO de câmara anterior, e recordo os oito dias de internamento usual para qualquer doente operado. Hoje, praticamente toda a cirurgia é realizada em ambulatório, o nível tecnológico é elevadíssimo em todos os sectores e as taxas de sucesso são extraordinárias.

OF: E enquanto docente, como antecipa a evolução da especialidade?

JSB: Uma vez que a preparação oftalmológica ao longo do curso de Medicina não pode ir muito além do superficial, torna-se importante promover os cursos de introdução à Oftalmologia. Tenho colaborado activamente na sua organização ao longo dos últimos cinco anos e pretende-se no futuro alargar a sua duração a duas semanas e envolver quer o Colégio da Especialidade, quer a SPO. Por outro lado, tendo em conta os avanços constantes no âmbito da especialidade, é inevitável caminhar para algum processo de certificação no cam-po da formação continuada, tanto no que diz respeito ao componente médico como ao cirúrgico da nossa especialidade.

OF: Em relação ao Programa de Intervenção em Oftalmologia, considera que a especialidade saiu a ganhar com esta iniciativa?

JSB: É uma pergunta difícil de responder. Por um lado, é indiscutível que melhorou a situação, no que respeita à acuidade visual devida à catarata. Contudo, a existência desta doença não implica riscos a longo prazo para o doente.

Já patologias graves e com complicações visuais irreversíveis, caso não sejam tratadas atempadamente, como o Glaucoma ou a Retinopatia Diabética, foram completamente esquecidas neste programa. Independentemente do aspecto anterior, pode legitimamente levantar-se a dúvida de saber se as pressões para acabar com as listas de espera não podem ser contraprudecentes, por levarem a que doentes sem necessidade da cirurgia venham a aparecer, ou até, a que sejam tomadas decisões que podem não ser sempre as mais indicadas.

Em conclusão, referimos ainda que para o médico oftalmologista, “a população portuguesa ainda não tomou consciência da possibilidade que existe actualmente de se evitarem situações irreversíveis ao nível da função visual”.

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