Tratamento de Queratocone: opções terapêuticas em 10 anos de follow-up

 

RESUMO

Os autores descrevem o caso de um doente de 25 anos diagnosticado com QC bilateral em 2002. Discute-se a evolução clínica, topográfica, tomográfica e biomecânica da córnea e as diferentes opções terapêuticas de acordo com a evolução da doença ao longo de 10 anos de seguimento. O interesse do caso reside no facto de nele terem sido sucessivamente utilizadas diversas modalidades terapêuticas atualmente disponíveis.

INTRODUÇÃO

O queratocone (QC) é uma ectasia corneana não inflamatória, geralmente bilateral e assimétrica, com adelgaçamento e encurvamento progressivos que induzem um astigmatismo irregular e uma diminuição da acuidade visual (AV). Os sintomas são altamente variáveis e dependem da fase de progressão da doença. No início pode não haver sintomas, mas na doença avançada há distorção significativa da visão, acompanhada por profunda perda visual. (1-2)

O tratamento do QC depende do seu estádio – no início os óculos corrigem satisfatoriamente o astigmatismo, mas à medida que a doença progride a visão é melhor corrigida com o uso de lentes de contacto que promovem o aplanamento querático. (3)

Quando as lentes de contacto são ineficazes ou mal toleradas, existem alternativas cirúrgicas como a colocação de segmentos de anel intracorneanos, o fortalecimento da córnea pelo cross-linking do colagénio (CXL) ou o transplante de córnea. (4-10)

Caso Clínico

Doente do sexo masculino, de 25 anos, observado pela primeira vez em 2002 por visão enevoada. O exame oftalmológico e topográfico permitiu diagnosticar QC grau I no OD e grau IV no OE, segundo a classificação de Amsler, com melhor acuidade visual corrigida (MAVC) de 20/20 em OD e inferior a 20/400 em OE.

Nesse ano foi submetido a queratoplastia penetrante no OE. Sete anos depois, em 2009, apresentava um astigmatismo de +5.00×60° com MAVC de 20/200 (Fig. 1), pelo que foi submetido a colocação de um segmento de anel intracorneano no OE (Fig. 2), atingindo aos 12 meses MAVC OE de 20/30 (-0.50 -3.00×120°), que se manteve estável até à data da última consulta (Fig. 3).

Figura 1 – OE – mapas queratométricos, de elevação e paquimétricos com Pentacam, após realização da queratoplastia penetrante.

 

Figura 2 – OE – fotografia actual da córnea. A – anel intracorneano; B – interface dador-receptor.

 

Figura 3 – OE – mapas queratométricos, de elevação e paquimétricos com Pentacam, após colocação do segmento de anel intracorneano.

 

Em Novembro de 2011 o OD apresentava critérios clínicos e topográficos de progressão do QC, com MAVC de 20/30, pelo que foi submetido a CXL ( com o Opto X-link), que permitiu uma estabilização da progressão da doença, bem como da MAVC, que se mantêm 6 meses após o tratamento (Figs. 4 e 5).

 

Figura 4 – OD – mapas queratométricos, de elevação e paquimétricos com Pentacam, antes do cross-linking.

 

Figura 5 – OD – mapas queratométricos, de elevação e paquimétricos com Pentacam, 6 meses após cross-linking; notar a estabilização do astigmatismo e da queratometria.

 

Discussão

O QC é a distrofia mais comum da córnea. É um processo progressivo de adelgaçamento corneano, causando astigmatismo irregular. A maior parte dos casos é bilateral, mas um dos olhos pode estar mais afectado. (1-2) Os doentes com QC geralmente recorrem ao oftalmologista por volta dos vinte anos, com queixas progressivas de visão enevoada e distorcida, secundária a miopia e astigmatismo altos.

Durante a avaliação do doente com QC inicial encontra-se um reflexo em tesoura na retinoscopia. O sinal de Rizzutti, o anel de Fleischer, depósitos de ferro na camada epitelial ou as linhas de Vogt, também podem ser encontrados. Por sua vez, no QC mais evoluído, a saliência da córnea pode causar angulação da pálpebra inferior (sinal de Munson).

Relativamente aos exames complementares de diagnóstico, a topografia e tomografia da córnea são ferramentas valiosas para diagnosticar o QC subclínico, bem como para acompanhar a progressão da doença e orientar a terapêutica.

Inicialmente, a AV reduzida devido ao QC pode ser tratada com óculos. No entanto, as lentes de contacto proporcionam muitas vezes uma melhor visão ao corrigir o astigmatismo irre gular. (3)

Para os pacientes intolerantes às lentes de contacto há várias alternativas cirúrgicas, cuja escolha deve ser individualizada por forma a adoptar-se a terapêutica mais adequada cada caso. Os casos com córneas centrais claras podem beneficiar da inserção de segmentos de anel intracorneano, de forma a corrigir astigmatismo irregular associado ao QC. (4-5)

O CXL é uma abordagem promissora para o tratamento de QC, que tem como base a utilização combinada da riboflavina fotossensibilizadora e UVA de 370 nm. O CXL é actualmente o único tratamento disponível dirigido à patologia subjacente, a instabilidade biomecânica e estrutural do estroma corneano. (6-8, 10)

Durante a progressão da doença, alguns doentes podem ter indicação para uma queratoplastia penetrante ou lamelar (intolerância ao uso das lentes de contacto, acuidade visual com lentes de contato insuficiente, uma cicatrização corneana a envolver o eixo visual ou adelgaçamento progressivo da córnea). (9, 10)

Conclusão

O seguimento periódico dos doentes com QC é importante, uma vez que se trata de uma ectasia progressiva que exige uma avaliação regular, devendo adoptar-se uma rotina de exames para avaliação das condições e saúde da córnea.

Um acompanhamento regular permite planear a terapêutica mais adequada de acordo com a fase evolutiva da doença e as características de cada caso. O interesse deste caso clínico é a particularidade de nele terem sido utilizadas diversas modalidades terapêuticas actualmente disponíveis.

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BIBLIOGRAFIA

  1. Espandar L, Meyer J. Keratoconus: Overview and update on treatment. Middle East Afr J Ophthalmol 2010; 17: 15-20
  2. Andreassen TT, Simonsen AH, Oxlund H. Biomechanical properties of keratoconus and normal corneas. Exp Eye Res 1980; 31: 435-441
  3. Ozkurt Y, Atakan M, Gencaga T, Akkaya S. Contact lens visual rehabilitation in keratoconus and corneal keratoplasty. J Ophthalmol 2012; 2012: 832070
  4. Kwitko S, Severo NS. Ferrara intracorneal ring segments for keratoconus. J Cataract Refract Surg 2004; 30: 812-820
  5. Alió JL, Shabayek MH, Artola A. Intracorneal ring segments for keratoconus correction: long-term follow-up. J Cataract Refract Surg 2006; 32: 978-985
  6. Dhawan S, Rao K, Natrajan S. Complications of corneal collagen cross-linking. J Ophthalmol 2011; 2011: 869015
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  8. Corneal Collagen Cross-Linking. Middle East Afr J Ophthalmol 2010; 17: 21–27
  9. Wollensak G. Crosslinking treatment of progressive keratoconus: new hope. Curr Opin Ophthalmol 2006; 17: 356-360
  10. Zheng Y, Lin H, Ling S. Clinicopathological correlation analysis of (lymph) angiogenesis and corneal graft rejection. Mol Vision 2011; 17: 1694-1700
  11. Salgado-Borges J, Costa-Ferreira C, Monteiro M, Guilherme-Monteiro J, Torquetti L, Ferrara P, Ambrósio R. Refractive, tomographic and biomechanical outcomes after implantation of Ferrara ICRS in keratoconus patients. Int J Keratoco Ectatic Corneal Dis 2012; 1: 16-21

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